terça-feira, 19 de outubro de 2010

Uma bagunça pra chamar de eu...



Afinal, quem sou eu?
Até seria um misto de Amélia, mulher “independente” e mulherzinha. Grande mentira! Santa babaquice! Não sou, nem nunca serei nada disso. Acho ridículo quem queimou o sutiã. Uma amiga de minha mãe, sabiamente, condenou as tais feministas, ao afirmar: “Essas mulheres queimaram o sutiã no passado. E hoje, quem trabalha feito uma condenada sou eu!”. Concordo plenamente. Mas também odeio essas mulheres que pregam a beleza acima de tudo, que vivem à custa da ditadura da TV Globo. E do mesmo modo não entendo como após tanta “modernidade” mulheres voltam a virar donas de casa. Prefiro um misto de tudo. É mais divertido e inconstante.
Minha mãe odeia cozinha. Ela gosta mesmo é de organizar a casa, as festas e reuniões. Sempre brinca que cabe a ela a “logística” dos eventos. Meu pai adora cozinhar. Faz pratos incríveis. Talvez por ser um tanto durão não saiba demonstrar seus sentimentos. Assim, sua maneira de mostrar carinho e atenção é fazendo comida. Há quem diga que algumas pessoas cozinham para os outros para demonstrar amor. Julgo ser esse o caso do meu pai.
Dessa combinação surgiu a minha pessoa. Faz não muito tempo, descobri que curto cozinhar. Na verdade, sempre gostei de brincar de fazer doces e biscoitinhos (bolo, jamais, sou incapaz de fazer a mais simples receita não derramar da fôrma e inundar o forno). E, no fundo, toda menina deve ter um pouco disso (ah, sou um tanto machista, mas isso fica pra depois). O que eu acabei por encontrar foi prazer em cozinhar o que eu vou comer. Divirto-me pensando em algo diferente e com cara de restaurante. Sim, porque sou ligada em pratinhos estilosos. Nada de bife, arroz e feijão (e, bem, acho que as estrelas de TV só falam que amam esse prato para parecerem simples e normais). Junta-se a isso o fato de ser uma excelente massagem ao ego receber elogios pelo que eu sou capaz de cozinhar. É quase um galanteio ver o ser amado encher a pança com um quitute feito por mim.
Achava que não era muito fã de organizar. E nunca fui mesmo. Não sei se pela velhice, ou por, pela primeira vez, ter uma casa só minha, mas eu tenho adorado passear pelo mundo da organização de casa, de festas, jantares (como queria que mamãe lesse essa parte). Fico imaginando onde cada coisa ficará e com o que combinará. Tenho especial atenção para pequenos detalhes: velas, cheirinhos, enfeites sem funcionalidade. Confesso que não vejo a hora de colocar cada móvel em seu devido lugar, no meu pequeno apartamento. E aqui se resume meu lado Amélia.
Sou engenheira. E desde que escolhi assim ser ouço mil brincadeirinhas. Engenheiras são feias. Engenheiras são espécies esquisitas. Engenheiras são frustradas. Engenheiras, quase nunca, são mulheres. Nunca liguei para isso. Ao contrário. Sempre achei engraçado. É bem verdade que engenheiros são seres esquisitos. A vida inteira aprendemos a odiar os números, quem pode imaginar que um ser viva (e ganhe para tal) em meio aos números e cálculos incalculáveis? E o que me parece é que mulheres não ainda menos habilitadas para isso. Portanto, somente aquelas feias e desinteressantes escolhem tal profissão. Bom, no meu caso, minha escolha foi baseada na inconstância. Odeio números, odeio equações, gráficos e planilhas. Adoro encontrar situações que eu não sei resolver. Empolgo-me com novos conhecimentos. O desespero sempre anda ao meu lado e penso, diariamente, “por que não fui estudar jornalismo?”. Vai saber, não é?! Gosto do que escolhi. Sei que poderia viver de mil outras profissões. Não tenho muito a ver com o perfil de um engenheiro. E isso é o que me fascina.
Mais que engenheira, sou pesquisadora (pausa para o ego desinflar). Vivo, ou ainda hei de viver, da busca pelo conhecimento, de produção de ciência. E esse é o meu lado “independente” e “moderno”. Parece intelectual se intitular “cientista”. A infeliz verdade é que cientistas são seres um pouco alienados do mundo real e com uma tendência forte a serem bitolados. Espero (e aqui vem o lado sonhador, romântico e falido) produzir uma ciência utilizável, que, realmente, faça diferença no mundo. Quero ser professora, mas esse é um assunto que causa espanto, preconceito e pena. Melhor deixar bem guardado.
Meu lado mulherzinha grita todos os dias. Confesso, sem o menor receio, que adoro acordar e iniciar o ritual “sabonete-protetor-rimel-blush-brilho”. E que se dane as mulheres que acham esse fenômeno o absurdo da futilidade. Sim, meus olhos brilham diante de sapatos, perfumes, roupas e maquiagens. Tenho pavor de não cheirar bem. Sou capaz de viajar à qualquer lugar, com duas simples condições: 1) que esse “qualquer lugar” possua banheiro (banho diário devia ser lei e, 2) que na mochila, mala ou sacola caiba meu “arsenal de manutenção” (o que inclui: sabonete, óleo, hidratante, xampu, cremes diversos, e todo o kit de beleza). Recentemente, porém, descobri que não curto muito a moda. Ou, pelo menos, o manual de moda, modificado a cada nova estação. Além disso, não tenho um estilo. Gosto de um monte de coisas. E, bom, sou bem feliz assim. Novamente, às favas as mulheres “hippies” e naturebas!
Há um pequeno (bem pequeno) ser que habita em mim. Esse ser tem um certo quê natural. Bem pequeno, que fique claro! Gosto, como já disse, de preparar o que como. E pretendo, com muita verdade, preparar meus queijos, geléias, compotas (bom, isso não, acho meio ruim). Gosto também de mato. Gosto da cor, do cheiro. Gosto de pisar na grama. Fico muito mais feliz com flores e ervinhas por perto. Outro grande plano é ter um mini jardim e uma pequena horta. Também sou um pouco fã de animais. Não todos. E não como carne. Não sou vegetariana, não uso blusas com frases de impacto, nem faço passeata para salvar as vacas. Não como carne porque não gosto. Como peixe. Sinto-me satisfeita assim. Se, um dia, tiver vontade de comer carne, comerei. Se quiser parar com o peixe, pararei. É bem simples.
Amo livros e cafés. Sou uma pessoa de café. Queria ser de chá. É mais chique, cheiroso e charmoso. No entanto, um dia perfeito, aos meus olhos, inclui um tempo considerável para ler e tomar uma boa, grande, fumegante, forte e adocicada caneca de café. Nada de cappuccino, cafés gelados, “latte” e afins. Nada de poesia, autores franceses ou auto-ajuda. Não julgo ser essa uma parte intelectual minha. À bem da verdade acho terrível essa necessidade de ser intelectual. Irrita-me quem julga que eu seja “esnobe” ou “inteligente”, somente pelo fato de gostar de livros. Enfim, um café e uma boa história, e isso é tudo. O mundo seria muito melhor se houvesse uma hora diária para cumprir essa obrigação (que nem para almoçar, jantar, tomar banho).
Gosto de gente. Não gosto de muita gente. Seria eu um ser “blasé”? Tediosa é a idéia de estereotipar pessoas. Gosto da minha família, dos amigos, do ser amado. Isso me basta. Gosto de conversa. Gosto de olhos, bocas, abraços. Gosto do silêncio. Pessoas me interessam. Não completamente.
E é mais ou menos isso. Não sei se sou a nova mulher que a revista identificou. Não tenho medo de cuidar de uma casa. Também não tenho medo de encarar equações absurdas, muito menos o rio Tietê (e se tivesse, choraria até cansar e depois enfrentaria o que estivesse por vir). Não tenho medo de fazer escândalo diante de uma bolsa incrível ou de um blush maravilhoso. Não tenho medo de dizer que não entendo de filosofia. Converso com quem eu quero e quando não tenho opinião, assumo. Não tenho o menor receio de ser machista. Nem de ser mimada.
Não sei onde me encaixo e isso não me incomoda. Viva a inconstância!
Ah, e só acredito no horóscopo quando “ele” fala coisas boas!
Por fim, meio tola, fútil, moleca. Jamais um mulherão. Jamais a “grande, independente e super mulher”. Talvez, uma confusão de muitas coisas. Talvez, né?! Só talvez.